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quinta-feira, 17 de maio de 2018

Chuva, chuva, chuva

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Quando Lucas tinha seis anos, em todos os dias de chuva ele imaginava que o mundo estava derretendo. Derretendo todinho. Tudo começava com o céu se dissolvendo aos poucos, um pingo aqui, outro pingo ali, devagarinho, e de repente, como um dominó que derruba de forma inesperada três fileiras ao mesmo tempo, milhões e milhões de pequeninas gotas d’água jorravam sem parar, de cima para baixo numa torrente descontrolada. Logo depois era a vez dos telhados das casas que pingavam incessantemente. Com as biqueiras cuspindo o curso de grandes volumes d’água. Então, vinham as paredes se umidificando até se dissolverem lentamente e por fim as pessoas e todo o resto. Tudinho. Tudo derretendo.
As pessoas podiam até tentar resistir a princípio, é verdade, correndo pelas ruas com guarda-chuvas e se abrigando em edifícios com coberturas reforçadas, isso cada vez mais difícil, mas certamente perderiam as esperanças quando tudo mais estivesse derretido. Às vezes esses pensamentos deixavam Lucas preocupado. Pois o que seria das pessoas se tudo derretesse?
Lucas se admirava com a água escorrendo pelas ruas. Como riachos temporários, sempre para a mesma direção e com muita força. Era água sem fim. Chuva. Água, água e mais água. Tudo isso atiçava a sua curiosidade. Uma vez o tio de Lucas, percebendo os olhos do sobrinho atentos em direção à janela com a vidraça embaçada, contou para ele que toda água do mundo que caia no chão e seguia seu rumo, ia parar no fundo do mar, e, é claro, na sua superfície também. Sempre no mar. Isso o deixou realmente impressionado, essa era o tipo de informação que deixava Lucas encucado por dias. “Então por isso o mar é tão grande.” Pensou entusiasmado. Apesar de agora saber a origem da imensidão do mar, Lucas nunca havia ido até a praia para jogar bola na orla ou construir castelos de areia, e muito menos havia sequer posto o dedão na água salgada para sentir se estava quente ou fria. Lucas morava bem longe do litoral e a sua família infelizmente não era de viajar muito. Mas pelas imagens da tv era possível perceber como o mar era enorme. E puxa vida, nunca enchia.
Tudo derretido vai pro mar. “Como era possível? Tudo derretendo, escorrendo para o mar, as coisas das pessoas se transformando em coisas de peixe e ninguém se preocupando.” pensava. Mas no fim das contas, mesmo que chovesse por horas a fio, uma hora simplesmente as nuvens negras passavam e a chuva acabava, e com ela os riachos temporários se esvaiam e o perigo do derretimento total sumia. Nesse momento Lucas imaginava “Mais uma vez e todas as coisas estarão derretidas”.